Dr. Raimundo Sátiro, minha quase biografia - Artemisia Sátiro
Nasci em mil novecentos e quarenta e cinco, no Sítio Boa Vista, município de Várzea Alegre, onde vivi até os onze meses. Após os onze meses meus pais se mudaram para o Sítio Bravas, município de Carius. Onde vivi até os dezessete anos, retornando ao Sítio Boa Vista para iniciar os estudos, fiquei seis meses fazendo o primário com D. Eliza Correia, que me avaliou e colocou-me no primeiro ano.
Minha prima Luíza, no primeiro dia de aula mandou que eu passasse na Igreja, passei e dei uma pilora. Candice sempre dizia para eu passar em sua casa para fazer um lanche, mas eu tinha vergonha, não passava. Mudei-me para a cidade, fui morar com o primo Dr. Pedro Sátiro e sua esposa, D. Maria Candice, pessoas que eu muito admiro.
Vivi de tudo uma pouco na vida, fui agricultor, viajante. Ia a um lugar chamado Cacimbas nos Inhamuns, duas, três, quatro vezes ao ano com o meu pai. Lá havia uma fazenda com o nome de Corisco, da qual hoje sou o proprietário.
Numa dessas viagens, eu no meio de uma carga. A carga era composta de uma burra, uma cangalha e jogo de mala, rede e alguns panos forrando e eu sentado no meio. Saíamos muito cedo, uma hora da manhã, me dava um sono, cochilava e batia com peito, o externo na madeira da cangalha aí acordava, não podia dormir.
Meu pai levava uma galinha frita muito gostosa para a gente comer na viagem. Atravessávamos o maior Rio Seco do Mundo, o Rio Jaguaribe em quatro lugares. Numa dessas viagens, o Rio estava com muita água, geralmente os animais atravessavam nadando e nós éramos levados por funcionários numas canoazinhas, se afundassem eu morria, pois não sabia nadar. Os Inhamuns eram uma região de Natureza pura, muitos pássaros, tatu, papagaio, ema etc.
Uma vez na Ribeira o Bastião, à noite, o Rio com muita água, disseram que dava para atravessar. Meu pai vinha um pouco atrás conduzindo os outros. Entrei na água e a burra começou a afundar, meu pai gritava, mas não ouvia retorno, pensou que eu havia morrido, mas estou aqui contando esta história. Hoje é diferente, vou de carro, mas me sinto outra vez criança. Não tem mais aquela parte da Natureza, mas estou junto ao IBAMA, já vemos canários, patos, marrecos, jaburus, quem chegar lá já nota a diferença, há uma recriação, revitalização da Natureza.
Trabalhei como servente na construção do Hospital São Raimundo Nonato. Um dia estava um preparo de uma chuva, havia uma valeta da CEGECE e um caminhão carregado de cimento para a construção não podia passar e não havia lona para cobri-lo, Dr. Pedro, eu e o chapeado, Costinha fizemos um trabalho pesado, mas salvamos a carrada de cimento. Continuando os estudos, consegui um emprego de balconista no Armazém Progresso, trabalhei por mais de três anos, fiz muitas amizades. Conclui o Ginásio, com a ajuda de Dr. Pedro e do meu pai fui para Fortaleza fazer o Científico. Estudei no anexo do Liceu, Joaquim Nogueira. No terceiro ano além de fazer o cursinho preparatório para o vestibular, eu portador de um problema genético, pé torto congênito, passei um ano e um mês de mole tas. Tira gesso, bota gesso.
Em mil novecentos e sessenta e nove fiz o vestibular, logrei êxito, passei de primeira e fui cursar a Faculdade de Medicina na UFC. Fui tocando a Faculdade, simples e dificultosa. Formei-me no ano de mil novecentos e setenta e cinco, Médico Interiorlogista, Largo Espectro. Fiz concurso para radiologia, traumatoortopedia, mas era para a Capital, meu objetivo era o interior, não assumi. Especializei-me em anestesiologia.
Em mil novecentos e setenta e seis retornei à Várzea Alegre com bagagem de Médico Interiorlogista, havia deixado um rastro. Morei doze anos num quarto do Hospital. Não havia plantão nesse tempo. Hoje, dois mil e doze, ainda sou o médico que mais deu plantão, são trinta e cinco anos de plantão. Trabalho quase todo dia e noite, já fiz mais de onze mil partos. Não sei quantas mil anestesias, quase todas aqui em Várzea Alegre sou eu que faço e quase todos os dias. Faço anestesia, sou traumatologista clínico geral. Junto a um grupo de colegas maravilhosos.
Nas Bravas aos sete, oito anos, meu pai já conduzia seus filhos para o emprego normal que era a roça, plantar, roçar algodão. Em Janeiro, nas primeiras chuvas, quando trovoava, meu dava um grito que tremia no pé das colinas, dos altos. O eco da voz de meu pai, que ainda hoje lembro, nos dava aquela força para o trabalho.
A comida ia para a roça. Ao final do dia ao voltarmos para casa, fosse o que fosse a janta, era muito bem feita pela minha mãe. Dezesseis anos nas Bravas, havia muita interação familiar.
Tinha um senhor, Francisco Luiz, e eu me dava muito bem com ele. Meu pai liberava os “bilotos” de algodão para a gente catar e vender, com o dinheiro apurado, comprar o que a gente quisesse que geralmente era rapadura. Ao chegar à bodega de Chico Luiz, chegou também a senhora, Madrinha Toínha, que por sinal era a sua mãe e disse, “Chico, esse menino ainda vai ter o que quer.”
Nas festas de casamento e nos leilões, marido da minha prima Naninha, Valdemar Ferreira, tinha suas vendas de bebidas e eu trabalhava com ele. Na garrafa de Cinzano havia um invólucro de chumbo. Peguei esse chumbo, preparei umas moedas. Dei um banho de lama para que elas ficassem com jeito de envelhecidas. Havia muita história de botijas. Cheguei à bodega de Chico Luiza e lá estavam Seu Edmar pinto e Jacinto Florentino. Tinha um doce, cochão de noiva que eu queria comprar, falei pro Chico que havia encontrado aquelas moedas lá pelas bandas de onde havia a botija. Ele se mostrou interessado e mandou que eu escolhesse o que ia comprar. Olhou as moedas, sentiu o peso, cresceu a vista e me vendeu o doce. Depois falei para ele que aquelas moedas eram de chumbo que eu havia fabricado. O Senhor Jacinto Florentino disse, “Chico, esse menino para ladrão só falta raspar a cabeça!”.
Para os jovens daquela época e da roça, a alternativa era ir para São Paulo, trabalhar nas fazendas de café. Quando iam passear, com a pele bonita, falando diferente, era como se fosse outra língua. Eram muito queridos. Vestindo calça marrom, de relógio e uma câmera fotográfica. Comiam um frango caipira na casa de um, uma galinha na casa de outro, mas quando acabavam a reserva vendia a câmera para voltar a São Paulo.
Queria ter dinheiro para comprar doces e comer. Ter um dente de ouro, um Crucifixo, um anel de pedra vermelha, quadrada e inclusive o desejo de casar.
Não tive oportunidade de ir para São Paulo, mas como diz Roberto Carlos: Tudo que é bom é imoral, é ilegal ou engorda. Hoje tenho o dinheiro, mas não posso abusar do doce. Se tivesse colocado o dente de outra, já havia tirado, teria apenas o buraco. Crucifixo, ganhei, mas roubaram. Ganhei o anel de Médico do meu tio Joaquim, mas não uso, porque me contaram que uma outra pessoa que não direi o nome vinha para o café de Lourdes, comia e ficava palitando os dentes só para mostrar o anel, fiquei traumatizado. A calça marrom...
Resumindo, o que mais vejo hoje é o jovem voltando de São Paulo encostado num Caixa, aposentado, com problemas de coluna, tendo trabalhado em Firmas.
Casar, fui analisar que até os cinquenta anos, com carro e dinheiro é querido. Depois passa a ser um palhaço. Se chegar aos setenta, quem vai cuidar de você, se não tiver filhos, será uma pessoa interessada em seu dinheiro, torcendo que você morra logo.
Sou casado com Roseane Kátia Pereira Teles e temos três filhos: Rômulo, Ramon e Rárisson. Tenho muitas histórias vividas e vivenciadas para contar. Há uma mulher que diz que eu salvei sua vida duas vezes, mas essas eu conto depois.
Conversa com Artemísia, na Calçada da Fama
Rua D. Iracy Bezerra - Vazante (V.Alegre)
Em 27 de janeiro de 2012
Dados Biográficos:
Raimundo Alves de Oliveira era o seu nome. Após formar-se em Medicina mudou o nome para Raimundo Sátiro, acrescentando o Dr. Nasceu no Sítio Boa Vista, município de Várzea Alegre, no dia 30 de janeiro de 1945. Filho do agricultor, Francisco Alves de Oliveira e Edvirgens Alves de Carvalho. Aí vivendo apenas onze meses, pois seus pais mudam-se para o Sítio Bravas, município de Carius, onde reside até seus dezessete anos, quando retorna à boa Vista para morar com o Tio Joaquim de Sátiro, irmão do seu pai, com o objetivo de estudar. É o quinto filho de uma família de onze irmãos. É politizado e gosta muito de um debate com quem aprecia o assunto à tardinha na Calçada da Fama, como é conhecida a Calçada da casa de sua mãe no Bairro Vazante em Várzea Alegre. Quando não está de Plantão, o que é raro ou enquanto espera a hora de descer o morro e ir para o Hospital onde trabalha, senta, sem camisa. Se é tempo de milho verde, lá vem milho assado! Se é tempo de manga, lá vem manga da sua Fazenda Jaburu. Come milho ou come manga. Gosta também de melancia. Quem chegar à Calçada pode saborear tudo isso com ele. É um apreciador das comidas típicas de sua terra: baião de dois, mungunzá, feijão com pão, capote torrado ou uma deliciosa galinha caipira. Tem um jeito autoritário, mas bem lá no fundo do seu coração é bem mais manso do que aparenta. É humilde, não leva a mal as brincadeiras e não guarda rancor. Tem lá os seus defeitos, mas sabe fazer e conservar amizades com importantes personagens. Tem uma “marca registrada” nas horas em opera ou faz anestesias: cantar ou assobiar! Mas diz que o que acalma o paciente é dizer que vai fazer a cirurgia sem anestesia, rapidinho o paciente relaxa e o deixa aplicar o anestésico. Seu senso de humor é bem aguçado e meio poético. Gosta muito de contar histórias por ele vividas, como a da “Criança que deu à Luz uma Criança” logo no início de sua carreira, em Várzea Alegre.
Artemisia Sátiro
Essa foi autorizada!
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