A poesia que transcrevo adiante foi composta em 1977 por Pedro Ernesto Filho, que considero um dos maiores poetas nordestinos. O personagem central do poema é o Sr. Raimundo Félix, natural de Várzea Alegre - CE e conhecido popularmente como “Cacaria”.
Antes, porém, considero importante comentar um pouco sobre o cenário em que a grande poesia surgiu: À época cursávamos o terceiro ano do Curso de Técnico em Agropecuária no Colégio Agrícola de Crato - CE. A Escola tinha aproximadamente 300 alunos no total, sendo que cerca de 90 deles no terceiro colegial, dentre eles cinco varzealegrenses: Eu, Antonio Gonçalo de Souza, João Bastos Bitu, Antnio Bastos de lima, João Inácio de Souza e João Alves de Menezes. Éramos colegas de Pedro Ernesto Filho, natural de Barro – CE e autor da obra abaixo, que à época já despontava como um bom poeta, tendo suas obras recitadas nos importantes programas de rádio da região do Cariri. Contudo, apesar de muito inteligente, sempre foi uma pessoa simples e um tanto tímida, não gostava de cantar vitória muito cedo, como diz o Belkior.
Tempos difíceis e interessantes aqueles, em que o dinheiro era curto e muitas das vezes tínhamos que pegar “caronas” para vir a Crato ou a Várzea Alegre. Nessas andanças surgiam sempre situações embaraçosas e, logo quando chegávamos de volta à Escola, relatávamos aos demais colegas. Surgiam estórias hilariantes que serviam de entretenimento para a turma. O Raimundo Félix, o popular “Cacaria”, sempre entrava nas conversas; era e ainda continua sendo uma pessoa muito simpática e cordial; possuía um ônibus e era casado com minha tia “Lilia”- hoje já falecida. Isso facilitava o nossos contatos, razão por que era sempre citado por nós, já que muitas vezes nos levou de carona (sem pagamento) para diversos lugares.
Todos os outros colegas da Escola ficavam ansiosos querendo saber quem era esse tal “Cacaria” e, sendo assim, passávamos a dar maiores esclarecimentos sobre o referido “personagem”. Comentávamos a respeito da origem do apelido, ou seja, que o mesmo possuía tal alcunha, em função de manter também um comércio com muitas variedades (lamparinas, funis, correias, baladeiras, cera de abelha, mel, chocalhos, etc. etc., dizem que tinha até bainha de foice). O inusitado foi que, quando menos esperávamos, o Pedro Ernesto, sem conhecer Várzea Alegre ou quaisquer um dos personagens, muito menos o Sr. ‘Cacaria’, nos apresentou a pérola seguinte:
TUDO TEM NO CACARIA - PEDRO ERNESTO
Atenção! ouça a verdade
para economia sua,
Antônio Afonso é a rua,
Várzea Alegre é a cidade,
a bem da comunidade,
combatendo a carestia,
em frente à barbearia,
de Domicila pra cá,
de Adagilza pra lá
se encontra a Cacaria.
Cachimbo de toda cor,
cebola, pimenta e alho,
marra, ferrolho e chucalho,
apito pra caçador,
tem até um gerador
pra carregar bateria,
bilhete de loteria,
corda grossa, média e fina,
baladeira e lamparina
-Tudo tem em Cacaria.
Pente de velha e chaleira,
estribo, loro e cabresto,
caçoá, balaio e cesto,
espingarda, broxa, esteira,
aropemba e ratoeira,
rebite e lata vazia,
marmita, grampo e bacia,
prego, chumbo e parafuso,
corrolepe pra seu uso
-Tudo tem em Cacaria.
Alfoge, arreio e cangalha,
peitoral e rabichola,
colher-de-pau, caçarola,
trinchete e chapéu-de-palha,
bila, rosário e medalha
e sela pra montaria,
quartinha, tigela e pia,
prato-de-barro e moinho,
endro, chá-mato e cuminho
-Tudo tem em Cacaria.
Pilão, linha nylon, anzol,
cadeado e passadeira,
broche, corrente e ponteira,
creolina e gesarol,
saco pra fazer lençol,
estopa boa e macia,
tem alpargata e enfia,
fundo de lata e gaiola,
martelo, espora e argola
-Tudo tem em Cacaria.
Enxofre e bicarbonato,
carborete, óleo e banha,
amendoim e castanha,
prego curto pra sapato,
chá-preto, pílula-do-mato,
semente de melancia,
pra sua lavanderia
tem pinho-sol e anil,
vela, cordão e bombril
-Tudo tem em Cacaria.
Escopo, mala e maleta,
foguetão, espanador,
vassoura e abanador,
traque, bomba e ancoreta,
tem pedraúna e roseta,
quadro de fotografia,
para sua moradia,
dobradiça e fechadura,
tinta rósia e verde-escura
-Tudo tem em Cacaria.
De Santo, tem São José,
São Severino e São João,
São Pedro e Frei Damião,
Padre Cícero e são Tomé,
Santa Inês e Santo André,
São Paulo e Santa Luzia,
São Jorge e Santa Sofia,
São Francisco em todo canto,
em se tratando de santo
-Tudo tem em Cacaria.
Para carregar vocês
tem Duda, seu motorista;
o Crispim só tem em vista
atender bem o freguês;
o Picoroto, talvez,
só trabalhe de vigia;
na feira, durante o dia,
Nenen bota a banca fora
e assim grita toda hora
-Tudo tem em Cacaria.
Agosto de 1977.
Uma grande homenagem. Muito merecida. Quando se tiver a encomenda de um homem trabalhador, honrado e digno Raimundo Felix, o cacaria fará jus.
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