Ontem foi o primeiro dia de abril desse ano de 2007. Ficamos em casa, enquanto lá fora brilhou o sol e os pássaros cantaram até altas horas. Dentro de casa também ouvimos música, e dessa feita foi Carmen de Bizet. Bela ópera, belas melodias, como bela é a vida com seus diversos e misteriosos desígnios. As crianças assistiram pesarosos e excitados o desfecho fatal da ópera. Eu me desloquei do enlevo dado pela beleza que a obra inspira, até à beira do desconforto e da tristeza, aquele negro precipício que às vezes se enxerga quando se debruça na própria alma, ou na arte, ou na beleza superlativa.
Carmen e José morrem a todo instante nesse vasto mundo. Carmen foi a mesma Maria, que um dia Bil matou, por puro ciúme e despeito, sob o sol de meio dia no sítio Inharé, na cidade de Várzea-Alegre, quando ela grávida do terceiro filho, levava comida para o pai na roça. José foi o mesmo que de incontrolável e excessivo amor, ou sentimento de posse, ou não sei que ferida d´alma, matou sua esposa num domingo fatídico, em Marília, e depois se matou ...eu os pude ver no pronto socorro, jogados em macas diferentes, mas por acaso virados um para o outro, e como que mirando-se, no vazio de seus olhos e da existência perdida. Impressionantes os meandros da vida, inescrutáveis seus precipícios, a morte sombreando escandalosamente cada manisfestação vital.
Maria se tornou uma lenda e virou santa para as pessoas da região. De longe se pode ver sua capelinha branca encrustada na serra.
- Carmen um dia existiu, pai? – André me pergunta com uma entonação triste.
Carmen, José, o amor, a vida, a paixão desenfreada, o ciúme, o egoísmo, a fatalidade, a loucura, o instinto homicida...
- Sim, André, um dia Carmen existiu, viveu em Sevilha, na Espanha – Eu lhe respondo com convicção, sabendo que vida e arte são ao final um só corpo, mistura de ficção e realidade. Carmens e Josés vivem e morrem a cada instante dentro de cada um de nós.
Dr. Jose Bitu Moreno.
Fonte: Blog do Sanharol