O SERTÃO FOTROGAFADO
Uma carroça de lenha
Com um doido amorcegado,
Moça nova namorando
Com um velho aposentado,
Um caçuá de cabaça
E um pau de sebo na praça
É o sertão fotografado.
Um profeta anunciando
Que vem inverno pesado,
Uma banca de caipira
Na calçada do mercado,
Mel de engenho com farinha,
Prato de barro e quartinha
É o sertão fotografado.
Uma trempe no terreiro
Pra cozinhar um guisado,
Um tocador de rabeca
Tocando desafinado,
Um carpinteiro da mata
Colocando fundo em lata
É o sertão fotografado.
Um chapeado teimando
Com um vendedor de torrado,
Um sapateiro botando
Meia sola num calçado,
Um frango assado na mão
De um gritador de leilão
É o sertão fotografado.
Um matuto num comício
Com o braço levantado,
Um puxa-saco gritando:
- Viva o doutor deputado!
E deputado arredio
Com um discurso vazio
É o sertão fotografado.
Um romeiro viajando
Num pau de arara lotado,
A safadeza dos gatos
Namorando no telhado,
Numa esquina um raizeiro
Na outra esquina um santeiro
É o sertão fotografado.
Um muro quase caindo
Um carro de mão virado,
Uma bacia furada
Um urinol amassado,
Um porco fuçando um coxo
E um pé de peão roxo
É o sertão fotografado.
Um quadro do Padim Ciço
Com o Frei Damião do lado,
Um buraco de andaime
Com maribondo arranchado,
Uma panela vazia
E um giral sem serventia
É o sertão fotografado.
Numa sombra de oitão
Um bode velho deitado,
Na calçada da igreja
Um cego e um aleijado,
Um evangélico falando
Que Jesus está voltando
É o sertão fotografado.
Chamar alguém de pagão
Quando não foi batizado,
Moça fazer simpatia
Para arranjar namorado,
Coroa atrás de xodó
Pra sair do caritó
É o sertão fotografado.
Chá de boldo com macela
Pra quem tá com bucho inchado,
Do olho da goiabeira
Pra quem tá desidratado,
Um passe de pai de santo
Para afastar um quebranto,
É o sertão fotografado.
Um tiro de socadeira
Um vira lata assustado,
Letreiro numa bodega
“ Aqui não vende fiado “
Uma mudança da roça
Encima duma carroça
É o sertão fotografado.
Uma récoa de menino
E a mãe naquele estado,
O pai com um na corcunda
E o mais novo pendurado,
Coisa assim de retirante
Que também é penetrante
É o sertão fotografado.
Soldador de caçarola
Vendedor de milho assado,
Catador de oiticica
Amolador de machado,
Um curador de bicheira
E um tirador de goteira
É o sertão fotografado.
Um cambista na calçada
Um sacristão encostado,
Um doido com dez centavos
Para jogar no veado,
Um vendedor de rapé,
Jogando no jacaré
É o sertão fotografado.
Um taco de rapadura
Um jerimum cozinhado,
Uma cuia de farinha
Para um pirão escaldado,
A miséria da carência
E a falta de assistência
É o sertão fotografado.
Um banho de alecrim
Pra velho com resfriado,
Um porrete de jucá
Pra aquietar um safado,
Um garoto desnutrido
Com o pescoço encardido
É o sertão fotografado.
Um padre na sacristia
Um rapaz ajoelhado,
Uma penitência grande
Pra redimir o pecado,
Um fiel com a sacola
Arrecadando a esmola
É o sertão fotografado.
O povo correndo atrás
De um burro desembestado,
Um menino dando língua
Da janela de um sobrado,
Uma rifa de um carneiro
Na calçada do barbeiro
É o sertão fotografado.
Sino tocando repique
Um anjo sendo enterrado,
A poeira na estrada
Quando é dia de finado,
Um beato cabeludo,
Descalço, sujo e barbudo
É o sertão fotografado.
Uma barraca de lona
Um lambe-lambe de lado,
Uma ruma de eleitor
Cada qual mais apressado,
Tudo tirando retrato
Por conta de um candidato
É o sertão fotografado.
Uma viúva chorando
Um corpo sendo velado,
Gente contando anedotas
Sem nem olhar o finado,
Pano preto na janela
Indicando a sentinela
É o sertão fotografado;
Uma corrida de jegues
Um Judas sendo enforcado,
Uma briga de comadres
Um porco sendo castrado,
Batizado de fogueira
E um fogo de caieira
É o sertão fotografado.
Escola funcionando
Faltando ainda o telhado,
O prefeito inaugurando
Entregue como acabado,
Um fiscal da educação
Presente a inauguração
É o sertão fotografado.
Um pingüim na geladeira
Um guarda sol pendurado,
Um cigarro na orelha
De um velho viciado,
Um devoto de São João
Descalço na procissão
É o sertão fotografado.
Um vendedor de pão doce
Com o ombro açucarado,
Uma madrasta perversa
Beliscando o enteado,
Um galego na janela
Querendo vender panela
É o sertão fotografado.
Pau da bandeira passando
Pelo povo acompanhado,
As pastorinhas cantando
Um bendito abençoado,
Padre juntando dinheiro
Na festa do padroeiro
É o sertão fotografado.
Uma quenga embriagada
Discutindo com um soldado,
Um velho com um ramo bento
Para tirar mal olhado,
Uma macaca indiscreta
Um padre de bicicleta
É o sertão fotografado.
Papagaio falador
Conversando no telhado,
Um vendedor de pitombas
Conferindo o apurado.
A meninada em fileira,
Pra comprar coco na feira
É o sertão fotografado.
Uma cabocla brejeira
Moendo café torrado,
Um caçador expichando
O couro de um veado.
Um idoso com bengala,
Falando cortando a fala
É o sertão fotografado.
Um vaqueiro reclamando
De um bezerro desgarrado,
Um pé de rebenta boi
Atrapalhando o roçado.
Doido fazendo careta,
Porque comeu malagueta
É o sertão fotografado.
Um conterrâneo chegando
De São Paulo endinheirado,
Com um relógio oriente
E um gravador de lado,
Falando: - Quanto que é,
Bicho, oh meu e qualé
É o sertão fotografado.
Metade da minha vida
Morei perto do roçado,
Hoje moro mais distante
Mas ainda estou lembrado.
Quando assisto cantoria,
Estou vendo com alegria
O sertão fotografado.
Meu verso faz muito bem
Urbaniza a boa mente,
Não dar espaço a alguém
De me achar indecente,
Isto faz com que eu faça
Mais versos pra nossa gente.
É o sertão fotografado
É o sertão fotografado
Não botei a autoria. Mas é nossa.
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