066 - POLTRONA VAZIA - Flávio Cavalcante
O espírito de migrante corre na veia do nordestino, especialmente nas do cearense do sertão. Assim, o varzealegrense já nasce acostumado com a idéia de logo após completar a maioridade e obter a carteira profissional (CTPS) buscar oportunidades em outras terras. Como gerações anteriores já trilharam o mesmo caminho, o sertanejo já não se assusta tanto com a idéia da migração.
Porém, como observado nos versos melancólicos da “Triste Partida”, do inesquecível poeta Patativa do Assaré, não há como evitar sofrimento nesses momentos de adeus.
Em Várzea Alegre, durante vários anos, os ônibus com destino a São Paulo, lotados de novos migrantes, partiram da Rua Duque de Caxias, em frente à Casa Zé Augusto. Alberto, agenciador da empresa Itapemirim, além de despachar os passageiros e as bagagens, no momento da saída não descuidava do repertório das músicas tocadas em seu estrondoso aparelho de som.
Os choros e abraços de despedidas eram embalados pelos versos da dupla Jane e Herondy “não se vá, não me abandone por favor, pois sem você vou ficar louco”. Ou, então, na voz marcante de Agnado Timóteo cantando “adeus, pampa mia. Adeus, vou para terras estranhas”.
Antônio Ulisses, que, em uma manhã de sexta-feira acompanhou aquele sofrido espetáculo, bebendo cerveja no balcão da própria agência-bar, assim que o ônibus partiu, criticou seu amigo:
- Alberto, você não tem coração. Como é que você toca umas músicas dessas, hôme? Você não chora com essas despedidas não?
O simpático e irreverente comerciante, antes de sua gargalhada característica, respondia:
- Antônio Ulisses, deixa de ser besta. Eu choro, choro muito, mas só quando vai duas poltronas vazias do Itapemirim.
Fonte: Pedra de Clarianã
Narração: Flávio Cavlacante
Esse meu tio é um varzealegrense da gema.
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