COÇANDO O SACO - Por Mundim do Vale
No ano de 1969, havia umas encrencas entre as famílias Mandu e Inácio no sítio Saco. Um dia estava havendo uma festa de casamento, quando os Mandus deram umas pancadas em Raimundo Inácio. Para completar a peia mandaram prender Raimundo e ingressaram com uma ação criminal.
O processo foi remetido para o judiciário e na tramitação foi distribuído um mandado para que eu citasse Raimundo. Eu fui até o sítio Saco para cumprir a determinação de sua excelência o juiz de direito. Como eu não conhecia o Raimundo, passei primeiro na casa de João Mandu para pegar informações.
João Mandu me passou as seguintes informações:
- Ele é moreno, de altura média, costuma usar botas, camisa de pano passado e usa uma caneta com a metade do lado de fora do bolso. Onde ele estiver tem um bocado de gente besta por perto, porque ele inventa um palavreado bonito e o povo fica perto pra escutar.
Eu perguntei onde era que eu podia encontrá-lo.
Tem uma bodega ali perto da casa de Manoel Moisés que ele passa o dia bebendo cachaça lá. É só a coisa que ele faz. Porque ele nunca deu um murro numa broa.
Segui para o local indicado e lá estava a figura, pelas referências eu não tive dúvida. Passei pelo meio do grupo, dei um bom dia e entrei na bodega onde fiz uma pequena compra e fui até a calçada onde escutei uma parte do discurso que Raimundo fazia.
Ele dizia para os outros:
-Negada. É priciso nóis tumar umas providença aqui no Saco. Nóis tem qui arrumar as coisa pra butar aqui dento do Saco. O prefeito fica passando as mão nos oto sítio e num passa a mão no Saco. Isturdia eu vi o trator da prefeitura danado cavando as terra de Luís Holanda prumode fazer um açude. E pra nóis aqui do Saco ele num manda nem um carro de mão. Impregaro o neto de Dona Sinhá, qui num sabe nem assentar o nome e num dero imprego a eu qui sou quage um doutor. Aí eu fico aqui só coçando o Saco.
Foi naquele momento que eu fiz a abordagem:
Sr. Raimundo. Eu sou oficial de justiça e trago aqui um mandado de citação para o Senhor. Eu vou ler o termo, o Senhor assina o ciente e comparece na data certa.
Aquando acabei de ler o termo ele ao o invés de assinar, elevou a voz e falou para o pessoal:
- Vocês tão vendo aqui? É ou não é o qui eu tava dizendo inda agora? Isso aqui é uma intimação. Vocês salembra daquele dia da festa do casamento, num salembra? Pois bem. Naquele dia os Mandu açoitaro eu até num querer mais e adispois dero parte e mandaro me butar na cadeia e ainda arrumaro esse processo pra eu. Cadê qui eles foro preso tombém? Foro não qui eles tem dinheiro e eu num tem. Mais eu vou construir um Doutor adevogado prumode ele rasgar o processo.
Um dos amigos que escutava o discurso dele perguntou:
- E vai pagar o doutor com que?
- É mermo né? Já sei, eu robo uma vaca de Zezim de João Alve, vendo a Vicente Elias e pago o doutor.
Raimundo com aquela conversa bonita dele, ia saindo sem assinar o ciente. Foi quando eu falei sério:
- Ei, Raimundo. Não escapula não, você tem que assinar o ciente !
- Pricisa não qui eu já sei qualé o dia.
- Precisa sim, porque eu tenho que certificar para juntar nos autos.
- E se eu num quiser assinar?
- Eu arranjo alguém para testemunhar que eu estive aqui. E o resto quem vai cuidar é a polícia.
- Apois decá esse papé.
Raimundo assinou com uma letra graúda e bem definida. Parecia mais com letra de presidente de sindicato.